quarta-feira, 10 de novembro de 2021


No mês da Consciência Negra, Eduardo Alves escreveu e musicou esse lindo poema, com arranjo e interpretação de Tiago Norato. 
Edição do Cacinho.

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terça-feira, 9 de novembro de 2021

Conhecimentos

 



Por Eduardo Alves*

Os conhecimentos não estão nos ventos

Não deixe os ventos passarem

Sem agarrar conhecimentos

Hoje a mistura fez luz acesa e apagada

O que foi veio na veia

No coração chegou o passado

Verdade, arte, carinho 

Por toda parte o M se fez

Marighella, Mário, Maria

O M abraçou a diversidade

Criação com Ciência e Arte

A diferença trouxe igualdade

A multidiversidade inspirou a liberdade

Assim se fez o dia

Na síntese valiosa da vida

Mais uma vez o trabalho foi criação

Ciência, verdade, antepassados e o pão

Superando a fome com os pés no chão

O trabalho se forjou na arte criativa

Beba também da potência com criatividade


*Poeta, cientista social pela UFRJ, cursou Ciências Econômicas, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro - UFRRJ. Com 16 anos, Eduardo já era secretário de juventude do Partido dos Trabalhadores - PT. Posteriormente, atuou como secretário de formação política do partido, junto aos diretórios municipal, estadual e nacional, sendo também da secretaria nacional. Foi da Teologia da Libertação e atuou na Juventude Operária Católica e em Pastorais. Em Brasília, foi assessor do Sindicato do Servidores Públicos Federais - SINDSEP-DF, por dois anos, e assessor da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal - CONDSEF, por onze anos. Foi assessor do vereador Adilson Pires em seu primeiro mandato no Rio de Janeiro e foi chefe de gabinete do deputado estadual Marcelo Freixo, por seis anos. Foi coordenador da Escola Popular de Comunicação Crítica - ESPOCC e, nos tempos de produção destes ensaios, foi diretor do Observatório de Favelas, situado no Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, atuando no Instituto Maria e João Aleixo - IMJA. Atualmente, Eduardo é coordenador pedagógico do projeto de formação política do Instituto Pensamentos e Ações para a Democracia - IPAD.



segunda-feira, 8 de novembro de 2021

POEMAS DE CARLOS MARIGHELLA


Rondó da Liberdade 

 

É preciso não ter medo,

é preciso ter a coragem de dizer.

Há os que têm vocação para escravo,

mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.

Não ficar de joelhos,

que não é racional renunciar a ser livre.

Mesmo os escravos por vocação

devem ser obrigados a ser livres,

quando as algemas forem quebradas.

É preciso não ter medo,

é preciso ter a coragem de dizer.

O homem deve ser livre…

O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,

e pode mesmo existir até quando não se é livre.

E no entanto ele é em si mesmo

a expressão mais elevada do que houver de mais livre

em todas as gamas do humano sentimento.

É preciso não ter medo,

é preciso ter a coragem de dizer.


Canto para Atabaque

Ei bum!

Qui bum-rum!

Qui bum-rum!

Bum! Bumba!

Ei lu!

Qui lu-lu!

Qui lu-lu!

Lumumba!

Ei Brasil!

Ei bumba meu-boi!

“Mansu, manseba,

traz a navalheta

pra fazer a barba

deste maganeta.”

Lá vem beberrão,

lá vem Bastião,

tocando bexiga

em tudo que é gente.

O engenheiro medindo,

empata-samba empatando,

cavalo-marinho

dançando, dançando.

O boi requebrando,

o boi ‘stá morrendo,

o boi levantando,,,

Ei Brasil-africano!

Minha avó era nega haussá,

ela veio foi da África,

num navio negreiro.

Meu pai veio foi da Itália,

operário imigrante.

O Brasil é mestiço,

mistura de índio, de negro, de branco.

Bum! Qui bum-rum! Qui bum-rum! Bum-bum!

Quem fez o Brasil

foi trabalho de negro,

de escravo, de escrava,

com banzo, sem banzo,

mas lá na senzala,

o filão do Brasil

veio de lá foi da África.

Ei bum!

Qui bum-rum!

Qui bum-rum!

Bum! Bumba!

Ei lu!

Qui lu-lu!

Qui lu-lu!

Lumumba!

 

Canto da Terra

 

A terra tem tudo

e plantando é que dá.

E plantaram e plantaram

ou já estava plantado.

A floresta amazônica,

o rio e os peixes

e o balacubau.

A caatinga existia

com a braúna,

o mandacaru

e o gravatá cariango.

As coxilhas do Sul,

o maciço do Atlântico,

a Serra do Mar,

os pinheiros erguidos,

o rio Amazonas,

o rio São Francisco,

o rio Paraná…

Canaviais assobiando,

cortina verde estendida

sobre imensa extensão.

E plantaram café

e cacau e borracha…

E plantaram erva-mate…

Com o escravo e o imigrante

tudo se fez.

Comidas meu santo,

a mulata, a morena…

e até a loura surgiu.

A índia já havia,

a gringa veio depois.

Quem atrapalhou

foi gente de fora

que não trabalhou.

Eu canto a terra…

Todos sabem que outra

mais garrida não há…

“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”…

Bom! Lírios já houve,

mas agora é que não.

Eu canto a terra,

eu canto o povo…

Cantam os poetas

e cantando vão…

 

Liberdade

Não ficarei tão só no campo da arte,

e,  ânimo firme, sobranceiro e forte,

tudo farei por ti para exaltar-te,

serenamente, alheio à própria sorte.

Para que eu possa um dia contemplar-te

dominadora, em férvido transporte,

direi que és bela e pura em toda parte,

por maior risco em que essa audácia importe.

Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,

que não exista força humana alguma

que esta paixão embriagadora dome.

E que eu por ti, se torturado for,

possa feliz, indiferente à dor,

morrer sorrindo a murmurar teu nome.


A Alegria do Povo

Uma grande jogada

pela ponta direita,

o balão de couro

como que preso no pé.

Um drible impossível…

Garrincha sai por uma lado,

e o adversário se estatela no chão.

Gargalhada geral,

o Maracanã estremece…

Lá vai o ponta seguindo,

os holofotes varrendo de luz o gramado,

o balão branco rolando,

seguro nos pés do endiabrado atacante.

Voa Garrincha,

invade a área contrária,

indo até à linha de fundo

para cruzar…

E as redes balançam,

no delírio do gol.

Garrincha! Garrincha!

A alegria do povo,

no balé estonteante

do futebol brasileiro.

 

Capoeira

Capoeira quem te mandou,

capoeira, foi teu padrinho.

O berimbau retinindo

na corda retesa,

cadência marcada

da ginga do jogo.

Zum, zum, zum,

capoeira mata um.

A perna direita

lançada pra frente,

o peso do corpo equilibrado na esquerda,

os braços jogando

de um lado pro outro…

Capoeira quem te ensinou?

De repente uma queda,

o capoeira na terra,

o aú,

de cabeça pra baixo,

as pernas no ar,

a rasteira varrendo

como foice no chão,

o corta-capim, o rabo-de-arraia,

e o inimigo caindo

de supetão,

ao puxavante

da baianada.

Luta africana

que o mestiço encampou,

que os guerreiros da mata,

quilombos, palmares,

souberam jogar.

Que o angolano nos trouxe,

que o mestre Pastinha nos soube ensinar.

Coreografia. Jongo do povo.

Zum, zum, zum

capoeira mata um.

 

O país de uma nota só

Não pretendo nada,

nem flores, louvores, triunfos.

nada de nada.

Somente um protesto,

uma brecha no muro,

e fazer ecoar,

com voz surda que seja,

e sem outro valor,

o que se esconde no peito,

no fundo da alma

de milhões de sufocados.

Algo por onde possa filtrar o pensamento,

a ideia que puseram no cárcere.

A passagem subiu,

o leite acabou,

a criança morreu,

a carne sumiu,

o IPM prendeu,

o DOPS torturou,

o deputado cedeu,

a linha dura vetou,

a censura proibiu,

o governo entregou,

o desemprego cresceu,

a carestia aumentou,

o Nordeste encolheu,

o país resvalou.

Tudo dó,

tudo dó,

tudo dó…

E em todo o país

repercute o tom

de uma nota só…

de uma nota só…

 

A Vaga

De manso surge a vaga.

Vem de leve de uma ruga do mar que o vento ensaia

impelir e rolar. E rola e em breve

numa auréola de espumas cinge a praia.

E é majestosa e bela quer se eleve

expandindo-se toda ou se contraia,

erga-se em cristas brancas como a neve

ou rebramando escachoante caia.

Tal como a vaga é o meu amor por ti

férvido, impetuoso — o que eu senti

no coração com mais ardor vibrar.

Amor que de meus versos dentre a espuma

borbulha e se agiganta e se avoluma

como a vaga rolando sobre o mar.

 

Urubu

Pairando pelo espaço onde quer que pressinta

carniça, podridão, matéria decomposta

essa ave original de cor preta retinta

o cheiro da imundice alegremente arrosta.

Vem descendo depois. Já não é uma pinta

escura na amplidão do firmamento exposta.

Vem descendo inda mais, cada vez mais distinta,

até que no terreno o corpo feio encosta.

Desde então principia a ceia horripilante

e belisca a esterqueira e grunhe a cada instante,

sacudindo-se toda, inquieta e assustadiça

Assim como o urubu há no alto muita gente

poderosa a fartar que, entanto, moralmente

só consegue viver à custa de carniça

 

Confraternização

Braços caídos

Não mais as mãos nervosas das tecelãs

tocando os

teares,

pondo emendas no fio

não mais o matraquear dos teares

batendo

num barulho monótono, ensurdecedor

Apenas braços caídos,

As operárias pensando nos filhos

com fome

Depois vieram os soldados,

Fuzis embalados,

Defender a propriedade do dono da

fábrica

Mas também tinham filhos,

Mães, noivas, irmãs

A fome era a mesma nos seus lares

também

E as tecelãs os saudaram chamando-os de irmãos

Agora na fábrica há braços erguidos

Aclamando

E há mãos se apertando

 

Balada à descritiva

Morra, meu Deus, a Descritiva,

esta matéria sem valor,

que, à tarde, é coisa intempestiva

assunto ouvir tão maçador.

Na sala B, fornalha viva,

que mal me faz estar presente!

Concede, ó Deus, que a Descritiva

um dia morra de repente.

Que disciplina tão nociva!

Como na sala faz calor!

Calor gostoso que incentiva

a um sono bom, reparador.

Morra, Jesus, a Descritiva

acompanhada da tangente,

da Geometria Projetiva

e o mais que amola n’aula a gente.

O sala B, a perspectiva

do teu contorno causa horror,

queima, Senhor, a Descritiva,

joga-a no lixo por favor.

Horas de dor, tarde aflitiva,

a ver traçar linhas de frente,

cousa que a breve trecho aviva

em mim o tédio e a raiva ardente.

Morra de vez a Descritiva,

que a sua perda ninguém sente.

Mas se a “bichona” ficar viva,

morra eu então, subitamente.

 

Fernando de Noronha

Fernando de Noronha. Arquipélago. Ilha.

Plantada no mar

como um pedaço de carvão boiando nas águas do Atlântico.

O Pico se elevando como o Pão de Açúcar,

o Espinhaço do Cavalo,

o Morro dos Remédios com o Forte no alto,

e na Praça dos Remédios a igrejinha caiada.

A vegetação rastejante, quase à flor do terreno,

o mata-pasto e a burra-leiteira,

de cujos talos quebrados

goteja um leite cáustico, violento,

que queima os olhos e provoca cegueira.

E o cabo-de-raposa e as cactáceas

que infestam o solo com os espinhos remosos.

E lá para o Sul, para a Sapata espalmada,

a pequena floresta de árvores linheiras,

sugadas de parasitas, os cipós pendurados,

com as pontas tocando no chão escaldante.

E os mulungus e as bananeiras de folhas ao vento,

subindo as encostas escarpadas do Pico.

Os cajueiros carregados de frutos vermelhos,

mamoeiros, pinhais e coqueiros

de palmas verdes tremulando sobre o branco das praias.

A praia do Cachorro, que o mar esburaca,

carregando a areia para a praia vizinha,

Santo Antônio chamada,

onde as balsas aportam para carga e descarga.

Fernando de Noronha,

com seus peixes e pássaros.

A guarajuba, a cioba, o cangulo,

a venenosa urubaiana e a albacora do alto-mar.

O mumbebo que mergulha para fisgar a sardinda,

e o alcatraz que a arrebata às bicadas ao mumbebo.

Ilha sem rios, com águas amargas

arrancadas às entranhas da terra

em poços profundos e cacimbas famosas

– Cacimba de Mulungu, Cacimba do Padre.

Fernando de Noronha com suas lendas ingênuas

– a lenda da Alamoa,

os amores proibidos no Açude do Gato,

as estórias dos bigodetes,

as vinganças dos presos traídos no amor,

as mãos dos sedutores amputadas a golpes de foice.

As estórias de fugas,

fugitivos tragados por vorazes tubarões…

E os prisioneiros seminus,

sob o sol abrasante,

carregando o munício

vergados ao peso de caixas enormes.

 

O perfume

Para cada mulher existe sempre um perfume

que agrada ao seu gosto

ou ao desejo que a inspira,

e que lhe é revelado pelo dom do instinto.

Cada mulher traz em si,

entranhado em seu corpo,

um perfume.

A cada espécie de amor

um perfume é mister,

seja amor puro,

infiel,

sacrossanto,

carnal.

Há uma busca eterna à mulher …

E quem sabe essa busca

se resume

na procura de um quê,

algo estranho, insondável,

quem sabe um perfume.

 

Fontes: livroecafe.com; xapuri.info; geledes.org.br; revistaprosaversoearte.com