quarta-feira, 16 de junho de 2021

Voa longo, Pavio Curto!

Ilustração Mani Ceiba


“O pensamento parece uma coisa à toa 

Mas como a gente voa quando começa a pensar”

Lupicínio Rodrigues

Por Alvaro Britto (acendedor de poema de primeira chama)


31 de março, dia de triste memória da história do Brasil

Para o Pavio Curto, protesto mas também um dia de recomeço

Mas ele não renasce das cinzas

20 anos depois, a chama do Pavio nunca se apagou 


Deixou lembranças que permaneceram acesas

Dom Waldir em entrevista explosiva, quem esquece?

Henfil, nosso primeiro patrono, detonando geral

E sempre que havia uma centelha de esperança, eles tentaram alimentá-la

Clovis, Cristóvão, Cacinho, Alvaro...


No início de 2021, o reencontro: a chama continua acesa e forte! 

O Brasil vivendo um momento de escuridão

Precisamos incendiar essa realidade e trazer de volta a luz da esperança

Novas fagulhas nos iluminam o caminho

Abdias, Juruna, Chico Mendes, Irmã Dorothy, Margarida Alves, Marielle, Olga, Zuzu...

E Paulo Freire, às vésperas do seu aniversário de cem anos


Mídias e plataformas digitais, reuniões virtuais, redes sociais...

Novas ferramentas mas usadas sempre pra detonar o capitalismo

O Pavio quer incendiar o planeta de vida, amor, justiça, liberdade e diversidade...


Diversidade!! Era preciso trazê-la para dentro desse incêndio coletivo 

Novas pautas, temáticas, conteúdos...mas faltava quem detonasse

Duas acendedoras logo botaram fogo no parquinho: Mani e Camilla!!

Feminismos, luta antirracista, defesa dos povos indígenas, combate à LGBTfobia...

Tudo sempre iluminado pela construção coletiva e protagonismo dos oprimidos e explorados


Há momentos em que a luz parece perder brilho, a chama pode apagar, o detonador falhar...

Mas a centelha do Pavio permanece acesa nos nossos corações e sonhos

E “a gente voa quando começa a pensar” e iluminar novos caminhos!

E continuamos detonando!

Vida longa ao Pavio Curto!!


Afeto sapatão

 

Ilustração Mani Ceiba


Por Val Nunes


Que isso

Que não posso amar uma mulher

Amar uma mulher é libertador

Nessa sociedade

De merda patriarcal

Amar uma mulher é revolução

É caminho

É luta

É politica 

Politico 

É afeto sapatão


Mulher fogo

Que não se deixa levar

Vai com suas próprias pernas

Mais bela que a beleza comum

Que de um em um rebelar

Vai salvando o mundo

Desse absurdo

 de sermos o que omi quer

 E é no poder dessa mulé

Que insisto no feitiço de dizer

Salvação

Mulherão

Mulheraço

Mulher mil

Afeto sapatão


Que lugar é esse que não posso beijar uma mulher

Só resisto se ela não quiser

Beijo

Afago

Afogo meus lábios

Afoito meu abraço

amaço

Amo

Demonstro

Pego na mão

De dia 

De tarde

De noite

Na praça

Na rua

No chão 

Consideramos justo

Toda nossa paixão 

Todo afeto sapatão


Essa mulher cameleão

Varias cores

Sabores

Amores

Que faz suas escolhas

Suas bolhas

Seus laços

Seus passos



Aquela que não precisa de ninguém

Mas escolhe o colo de quem sente refugio


Como uma fuga insana

Corre pras suas madeixas 

E deixa

O riso sair


Tantos momentos quis desistir

Quis sumir

Sucumbir

Tanta dor reduzida

Escondida

De quem tem que provar todo dia 

Sua  existência

E em sequência de pedaços 

De partículas

De partidas

Partilhados

Partituras

Ela se refaz

Se cura

Se transforma

Se mistura

Feito uma transição

Feito arco íris

Feito borboleta

Feito afeto sapatão 


Te amo!!


segunda-feira, 14 de junho de 2021

Era para ser um canto de liberdade (às mães que perderam os seus filhos, às mulheres encarceradas de todas as formas)

 

Ilustração Mani Ceiba


Flávia Fernando

Era pra ser um canto de liberdade

Um canto, ainda que chamuscado, das faíscas que queimaram os corpos de nossas irmãs, outrora

Aquelas, curandeiras, sabedoras de si

Dos seus feitiços fizeram argumentos de acusação do mal


Era pra ser um canto de liberdade

E é assim meio tonto, meio vertigem

Canto de banzo, de maresia

Canto de navio, de sequestro, de corrente

De fel da diáspora

Pedaço de saia

Boneca sem olho

Brinquedo acalanto, nas noites do mar


Era pra ser um canto de liberdade

E foi estilhaçado de espelho, sífilis, de roubo, dizimação

Canto silenciado, negado

Sem lugar em meio ás violências todas, os tantos açoites

É também um canto quase réquiem

Pelos companheiros que se foram

Os filhos levados

O sumiço das nossas histórias



E delas fazem

Ficha policial, estatística, categoria diagnóstica


Tentam se apossar

Do nosso útero, da nossa cabeça, do nosso desejo

Da ancestralidade que nos funda

Tentam, mas não conseguirão!


Era pra ser um canto de liberdade

E foi trincado

Trincado pelas grades

Dos manicômios, prisões e conventos


Disseram-nos bruxas, loucas e histéricas

Dizem-nos drogadas, perigosas, macumbeiras, vadias

E somos mesmo!


Era pra ser um canto de liberdade e é-

É um grito, um uivo

Um oceano revolto no olho

Um suspiro, um cansaço


Um suspiro, um cansaço

Da violência do não pertencimento

Da expropriação de nós mesmas

Do saque de todo dia


Mas esse canto, rouco, torto, tonto

Só se faz ponto,

Se firma ponto

Se um verso de uma chama tambor do coração da outra

Pelo o desejo de liberdade de existir

De ser quem a gente é

De não negar as diferenças

De negociar os egos, privilégios


E seguirmos 

Escapando da morte e da prisão

Do patriarcado e do racismo

Fabricando outros espaços-tempo-respiração

Juntas- VIVAS!