Rondó da Liberdade
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Há os que têm vocação para escravo,
mas há os escravos que revoltam contra a escravidão.
Não ficar de joelhos,
que não é racional renunciar a ser livre.
Mesmo os escravos por vocação
devem ser obrigados a ser livres,
quando as algemas forem quebradas.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
O homem deve ser livre…
O amor é que não se detém ante nenhum obstáculo,
e pode mesmo existir até quando não se é livre.
E no entanto ele é em si mesmo
a expressão mais elevada do que houver de mais livre
em todas as gamas do humano sentimento.
É preciso não ter medo,
é preciso ter a coragem de dizer.
Canto para Atabaque
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Ei Brasil!
Ei bumba meu-boi!
“Mansu, manseba,
traz a navalheta
pra fazer a barba
deste maganeta.”
Lá vem beberrão,
lá vem Bastião,
tocando bexiga
em tudo que é gente.
O engenheiro medindo,
empata-samba empatando,
cavalo-marinho
dançando, dançando.
O boi requebrando,
o boi ‘stá morrendo,
o boi levantando,,,
Ei Brasil-africano!
Minha avó era nega haussá,
ela veio foi da África,
num navio negreiro.
Meu pai veio foi da Itália,
operário imigrante.
O Brasil é mestiço,
mistura de índio, de negro, de branco.
Bum! Qui bum-rum! Qui bum-rum! Bum-bum!
Quem fez o Brasil
foi trabalho de negro,
de escravo, de escrava,
com banzo, sem banzo,
mas lá na senzala,
o filão do Brasil
veio de lá foi da África.
Ei bum!
Qui bum-rum!
Qui bum-rum!
Bum! Bumba!
Ei lu!
Qui lu-lu!
Qui lu-lu!
Lumumba!
Canto da Terra
A terra tem tudo
e plantando é que dá.
E plantaram e plantaram
ou já estava plantado.
A floresta amazônica,
o rio e os peixes
e o balacubau.
A caatinga existia
com a braúna,
o mandacaru
e o gravatá cariango.
As coxilhas do Sul,
o maciço do Atlântico,
a Serra do Mar,
os pinheiros erguidos,
o rio Amazonas,
o rio São Francisco,
o rio Paraná…
Canaviais assobiando,
cortina verde estendida
sobre imensa extensão.
E plantaram café
e cacau e borracha…
E plantaram erva-mate…
Com o escravo e o imigrante
tudo se fez.
Comidas meu santo,
a mulata, a morena…
e até a loura surgiu.
A índia já havia,
a gringa veio depois.
Quem atrapalhou
foi gente de fora
que não trabalhou.
Eu canto a terra…
Todos sabem que outra
mais garrida não há…
“Teus risonhos, lindos campos têm mais flores”…
Bom! Lírios já houve,
mas agora é que não.
Eu canto a terra,
eu canto o povo…
Cantam os poetas
e cantando vão…
Liberdade
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
A Alegria do Povo
Uma grande jogada
pela ponta direita,
o balão de couro
como que preso no pé.
Um drible impossível…
Garrincha sai por uma lado,
e o adversário se estatela no chão.
Gargalhada geral,
o Maracanã estremece…
Lá vai o ponta seguindo,
os holofotes varrendo de luz o gramado,
o balão branco rolando,
seguro nos pés do endiabrado atacante.
Voa Garrincha,
invade a área contrária,
indo até à linha de fundo
para cruzar…
E as redes balançam,
no delírio do gol.
Garrincha! Garrincha!
A alegria do povo,
no balé estonteante
do futebol brasileiro.
Capoeira
Capoeira quem te mandou,
capoeira, foi teu padrinho.
O berimbau retinindo
na corda retesa,
cadência marcada
da ginga do jogo.
Zum, zum, zum,
capoeira mata um.
A perna direita
lançada pra frente,
o peso do corpo equilibrado na esquerda,
os braços jogando
de um lado pro outro…
Capoeira quem te ensinou?
De repente uma queda,
o capoeira na terra,
o aú,
de cabeça pra baixo,
as pernas no ar,
a rasteira varrendo
como foice no chão,
o corta-capim, o rabo-de-arraia,
e o inimigo caindo
de supetão,
ao puxavante
da baianada.
Luta africana
que o mestiço encampou,
que os guerreiros da mata,
quilombos, palmares,
souberam jogar.
Que o angolano nos trouxe,
que o mestre Pastinha nos soube ensinar.
Coreografia. Jongo do povo.
Zum, zum, zum
capoeira mata um.
O país de uma nota só
Não pretendo nada,
nem flores, louvores, triunfos.
nada de nada.
Somente um protesto,
uma brecha no muro,
e fazer ecoar,
com voz surda que seja,
e sem outro valor,
o que se esconde no peito,
no fundo da alma
de milhões de sufocados.
Algo por onde possa filtrar o pensamento,
a ideia que puseram no cárcere.
A passagem subiu,
o leite acabou,
a criança morreu,
a carne sumiu,
o IPM prendeu,
o DOPS torturou,
o deputado cedeu,
a linha dura vetou,
a censura proibiu,
o governo entregou,
o desemprego cresceu,
a carestia aumentou,
o Nordeste encolheu,
o país resvalou.
Tudo dó,
tudo dó,
tudo dó…
E em todo o país
repercute o tom
de uma nota só…
de uma nota só…
A Vaga
De manso surge a vaga.
Vem de leve de uma ruga do mar que o vento ensaia
impelir e rolar. E rola e em breve
numa auréola de espumas cinge a praia.
E é majestosa e bela quer se eleve
expandindo-se toda ou se contraia,
erga-se em cristas brancas como a neve
ou rebramando escachoante caia.
Tal como a vaga é o meu amor por ti
férvido, impetuoso — o que eu senti
no coração com mais ardor vibrar.
Amor que de meus versos dentre a espuma
borbulha e se agiganta e se avoluma
como a vaga rolando sobre o mar.
Urubu
Pairando pelo espaço onde quer que pressinta
carniça, podridão, matéria decomposta
essa ave original de cor preta retinta
o cheiro da imundice alegremente arrosta.
Vem descendo depois. Já não é uma pinta
escura na amplidão do firmamento exposta.
Vem descendo inda mais, cada vez mais distinta,
até que no terreno o corpo feio encosta.
Desde então principia a ceia horripilante
e belisca a esterqueira e grunhe a cada instante,
sacudindo-se toda, inquieta e assustadiça
Assim como o urubu há no alto muita gente
poderosa a fartar que, entanto, moralmente
só consegue viver à custa de carniça
Confraternização
Braços caídos
Não mais as mãos nervosas das tecelãs
tocando os
teares,
pondo emendas no fio
não mais o matraquear dos teares
batendo
num barulho monótono, ensurdecedor
Apenas braços caídos,
As operárias pensando nos filhos
com fome
Depois vieram os soldados,
Fuzis embalados,
Defender a propriedade do dono da
fábrica
Mas também tinham filhos,
Mães, noivas, irmãs
A fome era a mesma nos seus lares
também
E as tecelãs os saudaram chamando-os de irmãos
Agora na fábrica há braços erguidos
Aclamando
E há mãos se apertando
Balada à descritiva
Morra, meu Deus, a Descritiva,
esta matéria sem valor,
que, à tarde, é coisa intempestiva
assunto ouvir tão maçador.
Na sala B, fornalha viva,
que mal me faz estar presente!
Concede, ó Deus, que a Descritiva
um dia morra de repente.
Que disciplina tão nociva!
Como na sala faz calor!
Calor gostoso que incentiva
a um sono bom, reparador.
Morra, Jesus, a Descritiva
acompanhada da tangente,
da Geometria Projetiva
e o mais que amola n’aula a gente.
O sala B, a perspectiva
do teu contorno causa horror,
queima, Senhor, a Descritiva,
joga-a no lixo por favor.
Horas de dor, tarde aflitiva,
a ver traçar linhas de frente,
cousa que a breve trecho aviva
em mim o tédio e a raiva ardente.
Morra de vez a Descritiva,
que a sua perda ninguém sente.
Mas se a “bichona” ficar viva,
morra eu então, subitamente.
Fernando de Noronha
Fernando de Noronha. Arquipélago. Ilha.
Plantada no mar
como um pedaço de carvão boiando nas águas do Atlântico.
O Pico se elevando como o Pão de Açúcar,
o Espinhaço do Cavalo,
o Morro dos Remédios com o Forte no alto,
e na Praça dos Remédios a igrejinha caiada.
A vegetação rastejante, quase à flor do terreno,
o mata-pasto e a burra-leiteira,
de cujos talos quebrados
goteja um leite cáustico, violento,
que queima os olhos e provoca cegueira.
E o cabo-de-raposa e as cactáceas
que infestam o solo com os espinhos remosos.
E lá para o Sul, para a Sapata espalmada,
a pequena floresta de árvores linheiras,
sugadas de parasitas, os cipós pendurados,
com as pontas tocando no chão escaldante.
E os mulungus e as bananeiras de folhas ao vento,
subindo as encostas escarpadas do Pico.
Os cajueiros carregados de frutos vermelhos,
mamoeiros, pinhais e coqueiros
de palmas verdes tremulando sobre o branco das praias.
A praia do Cachorro, que o mar esburaca,
carregando a areia para a praia vizinha,
Santo Antônio chamada,
onde as balsas aportam para carga e descarga.
Fernando de Noronha,
com seus peixes e pássaros.
A guarajuba, a cioba, o cangulo,
a venenosa urubaiana e a albacora do alto-mar.
O mumbebo que mergulha para fisgar a sardinda,
e o alcatraz que a arrebata às bicadas ao mumbebo.
Ilha sem rios, com águas amargas
arrancadas às entranhas da terra
em poços profundos e cacimbas famosas
– Cacimba de Mulungu, Cacimba do Padre.
Fernando de Noronha com suas lendas ingênuas
– a lenda da Alamoa,
os amores proibidos no Açude do Gato,
as estórias dos bigodetes,
as vinganças dos presos traídos no amor,
as mãos dos sedutores amputadas a golpes de foice.
As estórias de fugas,
fugitivos tragados por vorazes tubarões…
E os prisioneiros seminus,
sob o sol abrasante,
carregando o munício
vergados ao peso de caixas enormes.
O perfume
Para cada mulher existe sempre um perfume
que agrada ao seu gosto
ou ao desejo que a inspira,
e que lhe é revelado pelo dom do instinto.
Cada mulher traz em si,
entranhado em seu corpo,
um perfume.
A cada espécie de amor
um perfume é mister,
seja amor puro,
infiel,
sacrossanto,
carnal.
Há uma busca eterna à mulher …
E quem sabe essa busca
se resume
na procura de um quê,
algo estranho, insondável,
quem sabe um perfume.
Fontes: livroecafe.com; xapuri.info; geledes.org.br; revistaprosaversoearte.com
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